A última edição do Censo da Educação Superior confirmou, mais uma vez, uma realidade já conhecida: apesar dos desafios adicionais que as mulheres enfrentam simplesmente por serem mulheres, a graduação continua sendo majoritariamente feminina no Brasil. Elas são responsáveis por 59,5% das matrículas, embora representem 51,5% da população, um claro indicador do maior comprometimento delas com a formação educacional e profissional. O que as estatísticas não mostram, contudo, são os degraus adicionais que muitas precisam superar para concluir um curso superior.
Ciente de que esse é um desafio multifatorial e com diversas camadas, e inspirado pela apresentação do PL 5.181/2025, de autoria da senadora Augusta Brito (PT-CE), no último mês, vou me ater aqui a um ponto específico: a carência de ações efetivas de acolhimento no âmbito das instituições de educação superior.
Em síntese, o projeto prevê a adoção de duas ações centrais, por instituições públicas e privadas, para promover ambientes universitários mais seguros e inclusivos para as mulheres: a criação de programas permanentes de prevenção e enfrentamento ao assédio sexual e a ampliação do regime escolar especial para incluir mães adotantes e guardiãs, assegurando-lhes igualdade de condições e permanência nos cursos de graduação.
A iniciativa reforça algo que há bastante tempo precisa ser debatido: as instituições de educação superior do país têm mais mulheres entre ingressantes, mais mulheres matriculadas, mais mulheres na modalidade a distância, e ainda assim não ajustaram suficientemente sua infraestrutura, sua lógica de funcionamento e sua cultura para promover condições de equidade plena para que as mulheres ingressem, permaneçam e concluam a graduação.
Boa parte das reflexões sobre as desigualdades de gênero no contexto universitário costuma se concentrar em aspectos como as áreas de formação. De fato, é essencial saber, por exemplo, que as mulheres representam 76,7% dos concluintes em cursos da área de Educação e 74,4% em Saúde e Bem-Estar, enquanto em Engenharia, Produção e Construção somam apenas 35,8%, e em Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), 16,7%. Esses dados evidenciam que a distribuição desigual entre as áreas não é mero acaso: resulta de uma construção social persistente sobre o papel da mulher na sociedade e das oportunidades e barreiras que ainda moldam suas escolhas e trajetórias acadêmicas.
Contudo, é preciso ir além. O cenário atual demanda das instituições de educação superior uma reflexão crítica sobre o que significa equidade. O simples fato de ter mais mulheres matriculadas não garante que todas tenham condições adequadas de permanência, de conclusão e de pleno aproveitamento dos cursos. A infraestrutura física, os ambientes de aprendizagem, os horários, o suporte pedagógico, as políticas de acolhimento e as práticas institucionais precisam considerar as especificidades desse público para que a equidade seja real e efetiva.
Ainda, a permanência das mulheres no ensino superior depende também de ambientes seguros, livres de assédio e de discriminação. Uma auditoria recente realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que cerca de 60% das 69 universidades federais avaliadas não possuem políticas institucionalizadas de prevenção e combate aos assédios moral e sexual. O levantamento não verificou a situação nas instituições privadas, mas será que o resultado seria diferente?
Esse tipo de lacuna afeta diretamente a condição de permanência das alunas, pois a insegurança, o medo, o desconforto e a revitimização comprometem não apenas o ambiente de aprendizagem, mas também o bem-estar e a autoestima. Assim, a proposta de lei apresentada no Senado aponta para um caminho que não pode ser ignorado. Pelo contrário, precisa ser pavimentado no contexto das práticas de responsabilidade socioambiental das universidades, centros universitários e faculdades.
Quem vive o cotidiano de uma instituição de ensino superior sabe que os dias são intensos e repletos de demandas. À primeira vista, portanto, o anúncio de um projeto de lei que estabelece novas atribuições pode parecer distante da realidade. No entanto, a proposta tem potencial para gerar impactos positivos concretos tanto para as próprias instituições, ao contribuir para a redução da evasão entre estudantes do sexo feminino, quanto para o país, ao fortalecer o papel da educação superior como vetor de desenvolvimento social e econômico.
Em última análise, o acesso à universidade deve ser o início de uma trajetória marcada por oportunidades, permanência, participação plena e conclusão. O novo projeto de lei no Senado aponta para políticas necessárias de prevenção ao assédio e de inclusão; mas cada instituição precisa traduzir esse escopo em ações concretas, mensuráveis e contínuas.
As mulheres estão chegando em maior número, e as instituições precisam responder a esse fato com responsabilidade, de modo que a equidade deixe de ser um ideal e se torne realidade. A educação superior, para ser verdadeiramente democrática, precisa garantir que todos tenham não apenas a porta de entrada aberta, mas também o caminho pavimentado, a travessia acompanhada e o diploma na mão.




